quinta-feira, 17 de maio de 2012

Da necessidade de rever o processo de análise e aprovação dos projetos cicloviários


Este estudo sobre ciclovias do Distrito Federal abre a percepção para aspectos da política cicloviária ainda não suficientemente conhecida por mim, pelo menos.

Sem dúvida a leitura é de grande proveito a todos os cicloativistas.

       
        




por: Sociedade das Bicicletas



Brasília, 11 de maio de 2012
Carta de esclarecimento
É preciso rever o processo de análise e aprovação dos projetos cicloviários do DF

1) A Associação Civil Rodas da Paz e a Sociedade das Bicicletas entendem que ciclovias são necessárias, mas que são apenas um entre diversos elementos constituintes do planejamento cicloviário.
2) Somos contra a instalação de ciclovias sem um estudo ou contagem de bicicletas que reflita a real necessidade de deslocar mão-de-obra e recursos para tal finalidade.
3) Somos contra a instalação de ciclovias nas faixas verdes da capital – faixas verdes têm importância na diminuição das “ilhas de calor” das cidades, no planejamento da microdrenagem sustentável, na manutenção da biodiversidade da fauna e flora, servindo de verdadeiros “corredores ecológicos”.
4) Cobramos e apoiamos o incentivo governamental à bicicleta, mas, para que isto ocorra com sustentabilidade em longo prazo, é necessário que se faça planejamento cicloviário, e não apenas obras.
Associação Civil Rodas da Paz e a Sociedade das Bicicletas são a favor de ciclovias! Porém, ciclovias não devem ser necessariamente a primeira opção. A decisão sobre a melhor opção cicloviária precisa estar atrelada ao contexto social e à estrutura das vias. Além disso, as rotas viárias devem fazer parte de uma rede cicloviária integrada, que compreenda ciclofaixas, vias compartilhadas, medidas de restrição ao uso do automóvel e moderação de tráfego.
A ciclovia, por definição, é uma via exclusiva para a bicicleta, que segrega o ciclista do trânsito motorizado e dos pedestres. Essa solução de planejamento não é uma solução geral, para todos os tipos de usuários, em toda ocasião e muito menos solução para todos os tipos de topografia urbana e espaços dentro da cidade.
No Brasil, predomina o pensamento de que ciclovias são a solução para o uso da bicicleta como meio de transporte, mas essa é uma visão equivocada. As ciclovias proporcionam uma impressão de segurança ao ciclista, porém, principalmente quando mal planejadas, também possuem uma série de desvantagens, entre elas:
1.        Têm elevado custo de implantação;
2.        Necessitam grandes espaços desocupados para serem implantadas;
3.        Podem ocasionar a perda de fluxo do ciclista, com aumento do tempo de deslocamento e maior risco de acidentes, caso não haja tratamento adequado nos cruzamentos com as vias nem seja dada preferência aos ciclistas sempre que possível;
4.        Podem gerar falsa impressão de que o espaço exclusivo para bicicletas são as ciclovias, aumentando o desrespeito aos usuários de bicicleta que se deslocam pelas ruas;
5.        Podem gerar conflitos entre ciclistas mais rápidos e mais lentos, caso a ciclovia seja usada como espaço de treinamento esportivo;
6.        Se forem implantadas em canteiros centrais, comumente têm seu acesso dificultado, com sérias barreiras para o ciclista acessar ou sair da ciclovia, o que pode ser inadequado às necessidades dos usuários que precisam ir ao comércio e/ou trabalho, escola, etc.;
7.        Podem gerar problemas de segurança, caso passem por locais desertos ou áreas verdes inabitadas com intuito de desviar o ciclista do fluxo normal do trânsito; entre outras.
Analisando-se o valor das obras já licitadas, verifica-se que o custo médio de implementação de uma ciclovia no Plano Piloto é de 100 mil reais por quilometro, enquanto que nas Regiões Administrativas o custo pode variar de cerca de 16 a 200 mil reais por quilometro. Analisando-se mais detalhadamente as ciclovias que serão implantadas no Plano Piloto, encontramos uma faixa de valores muito discrepantes, que variam de 389.000 reais a 28.000 reais por quilometro[1]. Esses valores são muito superiores há uma série de outras estruturas como ciclofaixas, faixas compartilhadas, passeios compartilhados, entre outros, que apresentam custos bem menores por utilizarem a estrutura viária já existente.
Como mencionado acima, o uso único da ciclovia como política cicloviária pode reforçar a ideia equivocada de que a rua é exclusiva para os veículos motorizados (automóveis, ônibus e motos). A ideia de que a rua é apenas dos motorizados também faz com que os motoristas deixem de atentar para a presença de ciclistas na rua, tornando o trânsito mais inseguro. Como não é possível ter uma ciclovia ao lado de cada rua da cidade, o ciclista continuará pedalando nas ruas em diversos momentos, em locais onde não há ciclovias ou onde ela é ineficiente. Isso pode fazer com que o motorista seja levado a pensar que a rua é somente dos veículos motorizados e que a bicicleta não deveria estar trafegando na via, tornando os conflitos ainda mais comuns.
O Comitê Gestor da Política da Mobilidade por Bicicleta do GDF foi criado com o intuito de, entre outros, promover a discussão e análise dos projetos que foram elaborados em gestões passadas. Contudo, prevalece, na prática, a implantação de ciclovias como única ação concreta até o momento, o que reforça a prioridade historicamente dada ao veículo motorizado. Além disso, as dificuldades burocráticas geram ameaças por parte dos gestores de que as mudanças sugeridas nos projetos inviabilizam sua execução.
A maioria das Secretarias que compõem o Comitê tem receio de alterar demasiadamente os projetos e o quadro pequeno de funcionários aptos para tal atividade compromete a elaboração e execução de um verdadeiro planejamento cicloviário, readequando os projetos já existentes ou realizando novos projetos. Haja vista os exemplos de ciclovias anteriormente construídas de forma mal planejada e que hoje estão totalmente em ruínas, sem uso ou que foram literalmente cortadas e obstruídas pelas ruas, avenidas e estacionamentos, faz-se necessário reorientar esse processo. Ao invés de se levar pelo sentimento de que “é melhor fazer a ciclovia desse jeito do que correr o risco de não ter ciclovia alguma”, deveríamos nos orientar pela boa execução dos projetos e pelo emprego eficiente e racional dos recursos públicos.
Reduzir fatores de risco, como velocidade elevada, e reforçar ações como o cumprimento das leis e a educação/conscientização dos usuários, permite o aumento da segurança e qualidade das da rede viária para o benefício de todos os usuários, especialmente os mais vulneráveis - pedestres, ciclistas e motociclistas. Essas são orientações constantes das diretrizes do Plano Global de Redução de Acidentes no Trânsito[2], elaborado pelas comissões regionais das Nações Unidas, que em 2010 resolveu atender o apelo da Comissão de Segurança Viária Global, em seu relatório de 2009, para declarar 2011 a 2020, a Década de Ações pela Redução de Acidentes no Trânsito[3].
Por último, mas não menos importante, deve-se comentar sobre o problema da instalação de ciclovias nas faixas verdes da capital. Faixas verdes têm importância na diminuição das “ilhas de calor” das cidades, no planejamento da microdrenagem sustentável, na manutenção da biodiversidade da fauna e flora, servindo de verdadeiros “corredores ecológicos”. Nesse sentido, não é possível concordar com a instalação das ciclovias em todos os lugares, sem um estudo ou contagem de bicicletas que refletiria a real necessidade das obras.
Ao serem convidadas a analisar os projetos, a Rodas da Paz e a Sociedade das Bicicletas, representando os usuários de bicicleta, observaram que:
1.    Os projetos foram realizados sob uma ótica anterior à de cidade compartilhada – privilegiando o fluxo motorizado;
2.     Os projetos contemplam quase que exclusivamente o uso da ciclovia como solução, ignorando outros itens do planejamento cicloviário (ciclofaixas, faixas compartilhadas, redução e moderação de tráfego, redução de velocidade, tratamento dos pontos de travessia, etc.);
3.    Há problemas técnicos de planejamento e segurança, como ciclovias com curvas em ângulo reto, calçada compartilhada em frente a uma área hospitalar, diversos elementos que diminuem o fluxo e aumentam o tempo de deslocamento do ciclista, entre outros;
4.    Vários projetos, especialmente os projetos nas cidades do entorno do Plano Piloto (ex.: Paranoá, Recanto das Emas) locam as ciclovias no canteiro central. Em geral, esta solução vem acompanhada de diversos problemas:
-        Esquece-se de viabilizar os acessos às ciclovias nos canteiros centrais, não sendo planejadas faixas de pedestres e de travessias de ciclistas, faltam faróis e botoeiras;
-        Criam-se novas zonas de conflito nos retornos, pois como as ciclovias são normalmente bidirecionais, o motorista olha para um lado enquanto o ciclista vem por outro;
-        Mesmo nas ciclovias segregadas com ampla visibilidade, em áreas de retorno com velocidade reduzida para os carros, dá-se preferência aos carros e não aos ciclistas;
-        A ciclovia no canteiro central não contempla, em geral, as necessidades de quem precisa ir ao comércio ou em seu deslocamento às zonas residenciais;
-        A função ecológica, de conforto ambiental e de drenagem do canteiro é reduzida.
No Plano Piloto:
-        Os projetos não apresentam solução quando a ciclovia se depara com as passagens subterrâneas;
-        Nas zonas comerciais das superquadras, são locadas de modo a impermeabilizar mais o solo, destruindo parte do canteiro central, passando por entre 2 calçadas, que poderiam ser vitalizadas e readequadas para o deslocamento compartilhado com pedestres;
-         A velocidade baixa das vias L1 e W1, W2, W4 e W5 são compatíveis com a solução de ciclofaixa que não foi contemplada no projeto e pode servir para maior quantidade de usuários.
-        A travessia do eixo monumental pela rodoviária pela parte de cima não foi contemplada, mantendo a dificuldade de acesso a áreas centrais da cidade de cultura, trabalho e lazer.
5.    São projetos pouco audaciosos, não alinhados à visão mais moderna de cidade para pessoas e que evitam a ação necessária do Estado e seus órgãos competentes de orientar com firmeza a organização adequada do espaço e dos bens públicos. Estas são questões coletivas e públicas que devem procurar contemplar a população como um todo, que precisa se deslocar de casa para o trabalho ou para a escola ou para a casa de amigos e familiares.
Além de tudo isso, a participação da sociedade civil nos processos de planejamento e decisão é fragilizada, dado o caráter operacional do Comitê. É inviável para os representantes da sociedade civil, em geral voluntários, participarem das reuniões diárias dos grupos de trabalho para executar ações, elaborar documentos e estudos. Ao contrário, os representantes da sociedade deveriam, fundamentalmente, ter o papel de contribuir na orientação das diretrizes da política. Nada impede que o Comitê, ao menos em suas reuniões quinzenais, assuma um caráter semelhante à de um conselho consultivo e deliberativo, que permita participação efetiva da sociedade civil nas decisões sobre o planejamento da política de mobilidade urbana por bicicleta.
Nesta carta de esclarecimento pública, viemos alertar o governo e a sociedade para a necessidade, por parte dos órgãos que compõem o Comitê Gestor da Política da Mobilidade por Bicicleta, de rever o processo de análise e aprovação dos projetos cicloviários do DF. É necessário, sempre que for adequado, incluir os itens do planejamento cicloviário que foram deixados de lado, assim como permitir participação mais efetiva da sociedade na tomada de decisões. Mesmo havendo casos em que seja necessário refazer completamente um determinado projeto, esta opção não deve ser descartada. De todo modo, o cancelamento de projetos precisa ser acompanhado de reorientação de recursos de forma a não prejudicar a continuidade da malha cicloviária.
Só assim, teremos uma política de mobilidade urbana por bicicleta efetiva, nos moldes dos princípios que norteiam as “cidades sustentáveis”.
Coletivo Sociedade das Bicicletas
Associação Civil Rodas da Paz


[1] GDF, Ciclovias no DF/2012 – Detalhamento (Documento recebido através do Comitê Gestor da Política de Mobilidade por Bicicleta) e DODF, 17 de janeiro de 2011, páginas 26 e 27.
[2]              (ONU, Global Plan for the Decade of Action for Road Safety 2011-2020, pág.13 e 16)
[3]              (ANTP; IE; CEDATT. Proposta do Brasil para Redução de Acidentes e Segurança Viária – Década de Ação pela Segurança no Trânsito 2011-2020, maio, 2011)


Nenhum comentário:

Postar um comentário