quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

"Automóvel - O supremo bem da vida"


fonte: Texto de Jorge Brand, apresentado originalmente no II Fórum Mundial da Bicicleta – Porto Alegre/RS, 21a24/02/2013.
 O homem de Protágoras na era do automóvel



engarrafamento




















πάντων χρημάτων μέτρον ἐστὶν ἄνθρωπος (“O homem é a medida de todas as coisas” – Protágoras,  480 - 410 a.C.)

A afirmação de Protágoras caberia muito bem aos cursos de urbanismo, ou, melhor ainda, aos próprios institutos que determinam os traçados das vias, os desenhos das quadras e a distribuição dos espaços urbanos. Seria um lembrete constante das limitações que não deveriam ser cruzadas sem a devida reflexão.
NON PLUS ULTRA – Não ir mais além do que os corpos humanos são capazes. Respeitar a medida. E a medida é o corpo. A pólis grega era o local que o olho humano era capaz de abarcar. O horizonte. Aquilo que poderia ser transposto com a força dos pés, ou, talvez, de uma carroça. Não sabemos de relatos de acidentes com carroças nas encruzilhadas. Devem ter acontecido alguns em toda história. As fatalidades deste tipo de sinistro, no entanto, não devem ter sido relevantes.
Apesar de Édipo ter se envolvido, podemos dizer numa briga de trânsito, isto estaria mais para um caso de road-rage do que uma colisão propriamente dita. E Édipo era, no caso, o pedestre da história. Um pedestre ofensivo, intolerante a violência da arrogância de Laio, do alto de seu carro.
A medida, no urbanismo de Protágoras, por assim dizer, é a que respeita o homem e a fragilidade do corpo humano – essencial para se salvaguardar a integridade do corpo. Ultrapassando esta medida, seja com velocidades inumanas, ou com traçados viários exclusivos para os carros e motores em geral, o número assombroso de mortes se insinua como um dado macabro, que sequer causa espanto e indignação em nossos urbanistas. E é a eles que dirigimos nossa polêmica.
Em 1959, os Situacionistas publicaram um breve manifesto. O texto de Guy Debord, publicado na Internacional Situacionista número 03, em dezembro daquele ano, é de uma clareza provocadora e de uma crítica precisa e profética, que escandalizaria muitos de nossos urbanistas conservadores que ainda hesitam em priorizar o corpo humano e a escala humana.
Afirmou Debord:
                        “O erro de todos os urbanistas é considerar o automóvel individual (e seus subprodutos, como a motocicleta) essencialmente como meio de transporte. A rigor, ele é a principal materialização de um conceito de felicidade que o capitalismo desenvolvido tende a divulgar para toda a sociedade. O automóvel como supremo bem de uma vida alienada e, inseparavelmente, como produto essencial do mercado capitalista está no centro da mesma propaganda global: ouve-se com frequência, este ano, que a prosperidade econômica norte-americana dependerá em breve do êxito do slogan: ‘Dois carros por família’.”
Sim, os carros reforçam a divisão da sociedade em classes e estimulam a corrida pelo consumo. O seu carro de cinco anos atrás já é visto como uma ‘lata velha’, seu valor de troca se esvaiu, apesar de seu valor de uso ainda permanecer praticamente o mesmo. Se em 1959 o ideal norte-americano eram dois carros por família, curiosamente, este mesmo ideal, junto com todo pacote cultural exportado por aquele país, aparece agora aqui, perto de nós, em propagandas imobiliárias que falam de 4 ou mais vagas de estacionamento nos novos empreendimentos, nomeados, quase todos, com termos anglófonos.
Laerte carros 03














A alienação também acontece em diversos sentidos. O sujeito, refém da motorização individual, restringe sua experiência da cidade ao ‘conforto’ de seu automóvel. Ignora as árvores floridas. Buzina quando encontra um conhecido. Passa longe daquilo que sempre foi o porquê de se viver em sociedade – o convívio, o encontro – programado ou fortuito.

Não é de se espantar que a proliferação dos centros de compra avance junto a onda crescente que sufoca nossas cidades com sujeira, barulho e violência. O automóvel não é, lembrando de Illich, uma ferramenta convivial. Ele não favorece e tampouco enriquece o convívio das pessoas nos centros urbanos. Disse Illich:
                        “As ferramentas conviviais que facilitam o desfrute dos valores de uso da pessoa se concentram em dois extremos: os operários asiáticos pobres e os estudantes e professores ricos são os dois tipos de pessoas que andam de bicicletas.” [O Direito ao Desemprego Criador, p. 66]
Mais direcionado aos próprios urbanistas, Debord escreveu:
                        “Querer refazer a arquitetura em função da existência atual, maciça e parasitária dos carros individuais é deslocar os problemas com grave irrealismo. É preciso refazer a arquitetura em função de todo o movimento da sociedade, criticando todos os valores efêmeros, ligados a formas de relações sociais condenadas (a família é a primeira delas).”
E ainda:
                        “Não se trata de combater o automóvel como um mal. Sua exagerada concentração nas cidades é que leva à negação de sua função; é claro que o urbanismo não deve ignorar o automóvel, mas menos ainda aceitá-lo como tema central. Deve trabalhar para o seu enfraquecimento. Em todo caso, pode-se prever sua proibição dentro de certos conjuntos novos assim como em algumas cidades antigas.”
Estranho observar como qualquer restrição que seja sugerida a circulação dos autos é imediatamente rechaçada pela nossa massa a-crítica. Insinua-se que isto é a perda de direitos fundamentais. Não se pode restringir o ir e vir . . . dos carros!! Pois bem, que venham os congestionamentos monstruosos. Que aumentem todos os anos as cifras assustadoras dos óbitos e mutilados. Que as calçadas sejam encurtadas ou mesmo suprimidas. Quem se arriscará a andar a pé numa cidade planejada – para os carros?
Em contrapartida, queremos reafirmar a prática essencial da filosofia. O questionamento e a reflexão. Queremos que seja possível duvidar dos dogmas e que os tabus sejam postos em discussão. Diríamos, então, aos nossos urbanistas, que a cidade deve ser feita para os pés, não para as rodas.
A cidade é o aglomerado de corpos que decidem viver juntos. Os corpos se deslocam na cidade. Ocupam o espaço e compartilham um mesmo tempo. Os corpos são iguais em suas desigualdades múltiplas. São todos frágeis. São corpos de sangue. Precisam de alimento, ar, água, produzem dejetos e se cansam com o deslocamento. Todos os corpos se cansam. O motorista se cansa dos congestionamentos, dos sinais vermelhos, do tempo que perde sentado em sua ‘bolha’. O usuário do transporte coletivo se cansa com as filas de espera, a falta de espaço, os atrasos. O motorista e o passageiro, sedentários, são, ainda por cima, instados a frequentar academias para cuidar da saúde!
O pedestre e o ciclista se cansam pela fadiga direta dos músculos e também pela ausência de bons passeios e ciclovias. O corpo se cansa com qualquer coisa. Nosso esforço geral é sempre na direção de silenciá-lo. Calá-lo. Saciá-lo. Dar conforto – ou seja, ausência de dor – lembrando-nos de Schopenhauer. Em uma palavra, alívio.
O corpo, no entanto, dói. É apertado, se junta de forma demasiada em ônibus ou trens lotados. Ganha escolioses, cifoses e lordoses nas filas do coletivo ou em seus bancos de espera feitos para se encostar, não para apoiar os ísquios cansados.
Na motorização do transporte o corpo é passivo. É corpo que obedece, subjugado e oprimido pelos congestionamentos crescentes, ou esmigalhado, feito miga, mutilado e violado pelas altas velocidade contra este objeto que não tem a dureza do aço ou a flexibilidade do plástico. O corpo de carne é frágil, se quebra com facilidade. Sangra. Se esvai como a água que o constitui como elemento majoritário.
Laerte carros 01-001
E por que o urbanismo não deve levar em consideração nossa natureza sanguínea (sua fragilidade) em seus mandos e desmandos que transformam a experiência que temos da cidade e por conseguinte de nós mesmos?
O corpo, domesticado pela régua do urbanismo, condicionado a cultura do automóvel, deixa de ser experimentado positivamente, ele é transportado, não se transporta; é conduzido, não conduz; É passivo, paciente, sofre com resignação seu trágico pathos. Não descobre por si a cidade onde vive, pois seus caminhos, rotas e ruas, são desenhados nas pranchetas. As ruas uniformizadas e o estímulo a motorização levam, com cada vez mais rapidez, ao empobrecimento da realidade.
As formas não motorizadas de locomoção podem nos conduzir a uma experiência direta da presença do corpo, e nisto há um germe de resistência a alienação. O corpo vivo, o corpo presente, acompanha o pedestre e o ciclista como sua sombra. Da mesma forma, a cidade viva, com seus riscos e encantos, se descortina aquele que a experimenta com o corpo, vivo. Aos demais, resta a assepsia dos centros de compra, nos quais a experiência dita urbana é condicionada diretamente pelas regras de conduta do capital.
Curitiba, com sua motorização elevada, parece deixar alguns orgulhosos dos engarrafamentos, do barulho onipresente e do ar poluído; outros, nostálgicos e revoltados, com a falta de diálogo com que ações de grande impacto são realizadas de forma autoritária e tecnocrática. A destruição de praças no Mercês, no Cristo Rei e no Alto da Glória servem todas ao mesmo objetivo – a fluidez do trânsito dos automóveis. A descaracterização da cidade acontece em alta velocidade.
Monstruosos painéis luminosos são inseridos sem consulta prévia com os moradores, transformando a estética residencial com figurino de corrida automobilística. Não é de se espantar que o atual governador já manifestou diversas vezes a intenção de fazer corridas de automóveis na malha viária urbana. Não deveria o urbanismo ouvir os cidadãos bem como levar em consideração todos os dados assombrosos da violência e mortandade de nosso violento trânsito?
A presidente Dilma, mês passado, anunciou novamente a prorrogação da isenção do IPI às montadoras. Anunciou publicamente no 51o Salão do Automóvel que o governo vai abrir mão, por mais 3 meses, da arrecadação do justo imposto. Ressaltou a pujança da economia brasileira. Não disse nada sobre o trânsito ‘civilizado e equitativo’ de nossas cidades. Não falou sobre a poluição do ar e ignorou, mais uma vez, todos os dados – os fatos – que estão aí em nosso dia a dia. A experiência urbana, como dissemos, se empobrece na medida que ‘todo brasileiro’ quiser andar de carro para o trabalho, para escola, em suas necessidades diárias de deslocamento.
Presidenta Dilma despreza solenemente, com orgulho de garota propaganda, o pensamento de Protágoras e os alertas de todos os urbanistas conscientes. Ignora também o alerta de André Gorz em seu belo texto ‘Carta a D.’, dirigindo-se a sua amada:
                        Terminamos, depois de dez anos, comprando um velho Austin. Ele não nos impediu de tomar a motorização individual como uma escolha política execrável, que dispõe os indivíduos uns contra os outros, pretendendo lhes oferecer um meio de subtrair-se ao lote comum.”
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É sem dúvida uma coisa boa podermos comprar carros, geladeiras, computadores e tudo o mais que julgamos essencial. Mas, ficar preso em congestionamentos não é uma experiência gratificante, de engrandecimento pessoal. Queremos um transporte público mais barato e mais eficiente, que se beneficie igualmente das isenções tarifárias e subsídios múltiplos dos quais a indústria automobil
ística se farta, esfregando todos os meses em nossa cara seus novos e espantosos recordes de vendas. Queremos uma cidade mais limpa em todos os sentidos.

A perversão maior é que muita gente deixa de optar pela bicicleta, ou o caminhar, para os trajetos curtos e se vê refém do automóvel e seu monopólio radical. As ruas estão sendo asfaltadas para o fluxo dos carros, não das pessoas. Se assim fosse teríamos, nos semáforos, ondas verdes e mais espaços exclusivos para o transporte coletivo.
Teríamos uma rede de ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas conectando todo o centro da cidade, os centrinhos dos bairros e uma integração, muito bem feita, com a rede de ônibus. Teríamos conexão com a região metropolitana, segura e ágil. Teríamos também garantido o acesso seguro às escolas por meio de bicicletas.
Como não é esta a realidade em que vivemos, vêm a mente o discurso do ‘macaco de Zaratustra’, o louco com espuma na boca que vocifera nos portões da grande cidade contra os males que ali existem. Diz o louco: “Por tudo o que tens de luminoso e bom e forte, Zaratustra! Cospe nesta cidade de merceeiros e volta atrás! Cospe na grande cidade e volta atrás!”
Zaratustra, por sua vez, calando o louco, diz:
                               “Também a mim me causa náusea esta grande cidade, e não somente a esse louco. Nem nela nem nele, nada mais há que possa melhorar-se ou piorar-se. Ai desta grande cidade! – E eu gostaria de ver desde já as colunas de fogo em que arderá. Porque essas colunas de fogo deverão preceder o grande meio-dia.
Gostaríamos de concluir estes pensamentos contradizendo o discurso de Zaratustra sobre aGrande Cidade, afirmando que melhorias podem acontecer, por mobilização ativa, pelo florescimento de uma Massa Crítica e, acima de tudo, por nossa capacidade inata de imaginar e sonhar outras realidades.
Como afirmou Marc Augé em seu belo Éloge de la Bicyclette:
“A bicicleta nos ensina, inicialmente, a conjugar o tempo e o espaço. É necessário que redescubramos o princípio de realidade em um mundo invadido pela ficção e pelas imagens. O ciclismo é um humanismo e ele abre de novo a porta do sonho e do futuro.”
Goura Nataraj, Scorpius, 012

Texto : Jorge Brand – Mestre em Filosofia pela UFPR e Coordenador Geral da Associação de Ciclistas do Alto Iguaçu (Curitiba/PR)
Título original: “O corpo urbano em deslocamento ou O homem de Protágoras na era do automóvel”
Apresentado originalmente no II Fórum Mundial da Bicicleta – Porto Alegre/RS – 21-24/02/2013

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Bicicleta "reciclada" feita com peças de carros


Empresa cria bicicleta que é feita com peças de carros velhos encontrados em ferro-velho

Bicicleta é feita por donos de lojas especializada, pequenos empreendedores em extinção na Espanha

                              


Reprodução Springwise
nenhuma bicicleta é igual a outra

A Lola Madrid, uma empresa que se define como uma agência de criatividade, encontrou um meio de chamar a atenção para o seu negócio principal - a criatividade - e ao mesmo tempo colocou no mercado um produto que pode transformar-se em faturamento no final do ano contábil. A empresa criou a Bicycled - uma bicicleta feita com partes recicladas de carros velhos.
A ideia despertou interesse do público na Espanha, principalmente porque é por meio do site do projeto que os interessados podem fazer uma espécie de reserva da bicicleta. Não há informações a respeito do preço do produto, embora a Lola Madrid use argumentos interessantes para convencer potenciais clientes.

- Argumento 1: a Bicycled não é apenas um novo tipo de bicicleta, é também um retorno para as raízes desse meio de transporte, afinal, cada bicicleta é feita artesanalmente por donos de lojas especialistas - um tipo de empreendedor que está desaparecendo.

- Argumento 2: não haverá duas peças iguais à disposição dos consumidores porque cada bicicleta é feita com peças de carros velhos diferentes.

De acordo com a agência, o produto não foi desenvolvido por um departamento especial de desenvolvimento de produtos pois simplesmente ele não existe. A Lola garante, porém, que os envolvidos na iniciativa são as mesmas 'cabeças' que desenvolvem soluções para 'nossos famosos clientes. E bota famosos nisso. Apenas para citar alguns: Magnum, da Kibon, Rexona, etc.


Vídeo abaixo mostra detalhes da iniciativa.

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