Bicicletas penduradas na Estação Julio Prestes questionam invisibilidade
Ao ser questionado sobre a forma que as bicicletas são vistas (ou não), Srur provoca: “As bicicletas não são para serem vistas de uma maneira prática e simples, como gostaríamos. As bicicletas propõem uma coisa maior que é justamente a invisibilidade que a gente tem em relação ao mundo.” E completa: ”essas bicicletas instaladas na arquitetura propõem uma faísca, uma possibilidade de reflexão em relação ao espaço em que você está, ao espaco em que você vive e se desloca o tempo inteiro. Se você notar, a maioria das pessoas está anestesiada, não percebe essa intervenção, essa é a primeira provocação”.
“A segunda leitura que eu faço deste trabalho”, continua Srur, “é como você imagina a bicicleta: não como um objeto de lazer mascomo de fato ela deveria ser na cidade de São Paulo: um objeto de deslocamento, de transporte, de resultado em relação a mobilidade urbana, então você tem mais de 50 bicicletas, penduradas na estação, que no fundo são invisíveis. Essa é a proposta que trago, um pouco mais densa e mais crítica do que num primeiro momento as pessoas vão ter.”
Apoio da CPTM
A exposição foi montada durante a noite, no período que há a desenergização da estação. A princípio ela havia sido pensada para a Estação da Luz mas, segundo Fabio Alvim, do marketing da CPTM, por alguns problemas técnicos não foi viável. Alvim, que acompanhou a montagem, conta que a CPTM está sempre apoiando as iniciativas de integração da bicicleta ao trem. “Hoje em dia a gente tem toda uma uma atenção especial a esse modal de transporte. Temos a ciclovia no Rio Pinheiros, que é bastante utilizada, temos bicicletários em todas as estações novas”, explica.
De fato, em dezembro do ano passado André Pasqualini, o Bicicreteiro, conseguiu um espaço grande na Estação Pinheiros para reformar bicicletas doadas e entregá-las à creche da ilha do Bororé, no caminho para a descida ao litoral – a rota Márcia Prado, circuito conhecido pelos ciclistas paulistanos. O projeto “Bicicletas de Natal” teve o total apoio da CPTM e foi divulgada aqui no Vá de Bike, no final do ano passado. Veja aqui o resultado.
Bicicletas fazem parte de uma obra mais ampla
Intitulada “Sonhos e Pesadelo”, a obra completa conta com mais duas intervenções. Ainda fazendo parte dos “sonhos”, e montada num terreno em frente a estação, grandes cataventos de garrafas PET foram instalados. Segundo o artista “mais se parecem com os moinhos quixotescos e a relação que o cavaleiro tem em relação a o mundo”, referindo a estória de dom Quixote, que se alimentava das próprias ilusões. “Você coloca esses moinhos gigantes num local de difícil penetração, num lugar que está extremamente carregado de forma negativa e você traz esse contraponto visual com escultura leves que propõem uma visão lúdica e onírica”.
Os cataventos e as bicicletas ficarão expostas na região da Cracolândia. “Essa é uma obra completa conceitualmente, porque ela traz vida, traz um lado lúdico pro centro num lugar complicado, um lugar que precisa de vida, e essa obra traz isso num momento em que a bicicleta tá em pauta, tá sendo discutida em todos os lugares do mundo”, opina Nathalia Abbud, produtora da exposição.
“A ciclofaixa passa aqui do lado, também é possível transportar a bicicleta nas estações de metrô e de trem aos domingos, então dá pra fazer passeios de bicicleta para conhecer as obras”, convida a produtora.
O objetivo da exposição, Segundo Srur, é mostrar a cidade como uma plataforma onde ela faz o seu melhor sonho ao seu pior pesadelo se tornar realidade. Da mesma forma que as bicicletas tem essa invisibilidade , a obra que está no Anhangabau, mesmo que seja mais explícita também propõe esse simbolismo de tudo aquilo que é invisível.
Permear entre o sonho e o pesadelo, entre o visível e o invisível remete também a realidade do ciclista urbano, que se desloca com prazer mas invisivel ao trânsito da cidade.
Curiosidades da montagem
Escaladores profissionais foram contratados para a montagem na estação. A maior dificuldade foi o espaço restrito, em função dos cabos de energia e de toda a estrutura da Estação, conta Cassio Pereira, escalador que participou da instalação das bicicletas.
Durante a montagem, não só a curiosidade mas os sonhos de funcionários foram despertados. Uma mulher comentou que sonha em aprender a andar de bicicleta, outra que precisa arrumar uma para o filho. Um funcionário que cuida da manutenção, Luiz Moraes, comentou que gostaria muito de poder se locomover na cidade de bicicleta, mas ainda tem medo: “eu só ando em parques, porque o motorista paulistano é muito estressado e ainda não está acostumado com a bicicleta. Acho que São Paulo ainda não entendeu que a bicicleta e fundamental até para os carros andarem”.
E a equipe era advertida o tempo todo pelos funcionários a não transitarem com as bicicletas pela Estação. É que a sala onde elas ficavam guardadas era lá no fundo, e nada mais prático do que levá-las para o local de instalação pedalando, né?
Provocações
Não é a primeira vez que Eduardo Srur trabalha questionando a mobilidade urbana. O artista é conhecido por suas intervenções urbanas ousadas, sempre provocando uma mudança do olhar do paulistano em relação à cidade. ”Como disse Paulo Klee, o papel do artista é tornar visível o que é invisível”, esclarece Srur.
Em 2008, seis bikes coloridas foram suspensas em cabos de aços, na Avenida Paulista, levando o olhar do paulistano a prestar atenção em algo que passava despercebido na cidade:
Na semana que antecedeu o dia mundial sem carro, em 2012, Srur instalou uma carruagem na Ponte Estaiada, na Marginal Pinheiros. Propôs também uma corrida entre a carruagem e um carro de alta potência, pilotado por Ingo Hoffmann. Ambos saíram da estação Granja Julieta, o artista de carruagem pela ciclovia e piloto pela pista expressa da marginal: percorreram 2,7 km e chegaram empatados.
Para Srur, do ponto de vista artístico, a carruagem é a representação mais adequada para a mobilidade urbana em sao Paulo: a imobilidade. Durante sua pesquisa ele descobriu que o carro, num congestionamento, se desloca em São Paulo a 20km/h, que ironicamente é a mesma velocidade de uma carruagem nos tempos do império.
“A carruagem tem um brasão lateral formado por dezenas de logomarcas de carros e montadoras de veículos, para mostrar que não importa o carro que você tenha, você está imerso no caos da mobilidade urbana de São Paulo”, justifica Srur. “E dentro dela você tem um personagem: um passageiro solitário, dentro de uma grande carruagem. isso representa o paulistano, solitário, isolado da cidade, dentro do seu carro”.
Sobre a escolha do local para a instalação da obra, contesta sobre a ponte estaiada representar um cartao postal: “Essa ponte é um símbolo da cidade, mas isso denuncia uma carência do paulistano por símbolos ou espaços na paisagem urbana que a gente se identifique. Então qualquer mudança na paisagem que é imposta, a gente aceita. A ponte Estaiada não resolve a urgência da mobilidade urbana, não permite que ciclistas andem nela, custou muito caro e está do lado do Rio Pinheiros – esse sim um ícone de descaso e abandono da nossa cidade. O rio Pinheiros é um dos rios mais poluídos do mundo”, afirma.
Em 2006, o Rio Pinheiros também foi palco de dezenas de caiaques coloridos, que promoveram um curto-circuito visual na cidade. Nas últimas semanas da exposição, os caiaques juntaram-se ao lixo que fica no rio, alterando a composição da obra, e mais uma vez tornando visível o que é invisível. Afinal, os rios não se integram à nossa cidade e permanecem esquecidos, ali do nosso lado o tempo todo. Sem contar os inúmeros rios que foram cobertos por concreto e asfalto, invisíveis em todos os aspectos.
Srur quer passeio ciclístico pelas obras
O artista promove um passeio de bicicleta pelas intervenções no domigo 21 de abril. Veja detalhes aqui no Vá de Bike.
As instalações permanecem na cidade até o dia 30 de maio. Pegue sua bike e passe pelos locais para dar uma olhada!
Sonhos: bicicletas na Estação Júlio Prestes e cataventos em frente à estação
Pesadelo: torre com ratos no Vale do Anhangabaú
Para conhecer melhor as obras de Eduardo Srur, visite seu Tumblr.Veja também nossa galeria de fotos dessa exposição.
FONTE: VADEBIKE
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