sábado, 22 de dezembro de 2012

Plano Diretor Cicloviário Integrado é aprovado em JF: "Novas ruas terão que contemplar ciclovias"

 

Novas ruas de JF terão que contemplar ciclovias

 

Tribuna convidou casal para pedalar nas ruas do Centro e mostrar as principais dificuldades dos ciclistas

Por Guilherme Arêas

 

Bicicletas, cadeira de rodas e carros dividem espaço

 
Os projetos de abertura de novas ruas ou de expansão das vias já existentes em Juiz de Fora deverão incluir a implantação do sistema cicloviário, com a construção de ciclovias, ciclofaixas, bicicletários e pontos de apoio aos ciclistas.
 
Essa é uma das propostas do Plano Diretor Cicloviário Integrado, cujo veto dado pelo Executivo foi derrubado pela Câmara Municipal na última quarta-feira. Antes das intervenções, porém, será preciso saber se a via tem potencial para ser utilizada por ciclistas, observando-se as condições de relevo, pavimento e tráfego. A regra passa a valer 90 dias após a promulgação da lei pela Mesa Diretora da Casa.
O plano, de autoria do vereador Flávio Cheker (PT), ainda define as diretrizes para a instalação de todos os equipamentos e infraestrutura necessários para o uso da bicicleta como modal de transporte. Enquanto as ações concretas não são colocadas em prática, os ciclistas continuam travando uma disputa desigual com os veículos nas ruas.
 
 
Para mostrar essas dificuldades, a Tribuna convidou o protético Guilherme Mendes, 37 anos, que pedala desde os 4 anos de idade, e a namorada dele, a gerente administrativa Francini Lisandra, 36, que adotou a bicicleta no dia a dia há pouco mais de dois anos, para circularem pelas ruas (ver vídeo).
 
A reportagem filmou todo o percurso, que durou 25 minutos, enquanto os ciclistas narravam as maiores dificuldades enfrentadas. No principal corredor de tráfego de Juiz de Fora, a Avenida Rio Branco, eles tiveram como maior entrave o desnível dos bueiros, que força os ciclistas a circularem mais perto dos carros. Também chamou atenção no trajeto a briga por espaço na Avenida Getúlio Vargas.
 
O trânsito tranquilo do meio da manhã não escondeu os perigos enfrentados pelo casal, que recebeu fechadas, teve que desviar de bueiros e viu carros desrespeitarem a distância lateral de 1,5 metro estabelecida pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). "Onde foi reasfaltado ficou uma vala entre a sarjeta e a rua. Isso acumula sujeira, água e acaba forçando o ciclista a andar mais para o meio da rua. Isso é ruim, pois acabamos disputando mais espaço com o carro", relata Guilherme. "A insegurança no trânsito é o que impede as pessoas de saírem de casa de bicicleta", resume Francini.
 
 
Acidentes
 
Como não há fiscalização para os ciclistas, nem regulamentação para as bicicletas, o desrespeito ao CTB é frequente. Mas a própria Polícia Militar percebe que o maior abuso acontece por parte dos motoristas de veículos. "O código diz que o ciclista tem preferência sobre os carros, mas não é o que vemos no dia a dia", constata o comandante do Pelotão de Trânsito da PM (PPTran), tenente Jean Michel Amaral. "A chance de termos ciclistas como vítimas fatais no trânsito da cidade é grande." Nos dez primeiros meses deste ano, foram oficialmente registrados pela PM 164 acidentes envolvendo bicicletas, contra 158 no mesmo período do ano passado, sem registro de mortes. "É um índice alto, tendo em vista que a cidade ainda não tem um número de ciclistas tão grande."
 
Se o número de usuários ainda é baixo, não seria por falta de demanda, segundo uma pesquisa recente feita pela UFJF. Após entrevistar 400 ciclistas para uma dissertação de mestrado, o gestor ambiental Ugo Castañon concluiu que a falta de infraestrutura é o principal ponto de impedimento para a circulação de mais bicicletas em Juiz de Fora. Ao contrário do que se pensava, a topografia irregular não seria tão desestimulante.
 

União quer incentivar uso de modal

 
No documento que explica as razões do veto ao Plano Diretor Cicloviário, o prefeito Custódio Mattos reconheceu os benefícios do modal, mas considerou a proposta "inconstitucional e contrária ao interesse público".
 
"Na área mais central da cidade, já consolidada, são poucas as condições favoráveis à criação de ciclovias e ciclofaixas", diz o documento da PJF, que foi derrubado na Câmara Municipal na última semana.
O vereador Flávio Cheker rebateu: "O projeto não determina alterações imediatas no sistema viário. Ele traça diretrizes para que as novas vias e conjuntos viários a serem implantados levem em conta o modal cicloviário. A implementação das ciclovias e ciclofaixas no restante da cidade fica à cargo da própria Prefeitura, a partir de seu próprio planejamento."
 
A topografia irregular, a exiguidade de espaço viário e a atual falta de segurança aos ciclistas são outros argumentos de Executivo contrários ao plano apresentado. O prefeito defendeu que "a ideia de tornar independente o sistema cicloviário é equivocada" e sugeriu que o tema seja abordado de maneira mais ampla, dentro de um Plano de Mobilidade Urbana.
 
Para Cheker, o plano que entrará em vigor será justamente um dos capítulos desse planejamento maior. "Enquanto não se faz esse plano macro, vamos investir no modal bicicleta. Mas o que vale na cidade hoje é o tradicional e retrógrado pensamento da Settra de que não há espaço e que falta segurança para a bicicleta. Ou seja, dão como justificativa o problema." O vereador critica o fato de as obras estruturais feitas recentemente nas avenidas Presidente Costa e Silva e Rio Branco não terem contemplado espaço aos ciclistas.
 
Sobre a cobrança de uma ciclovia na Avenida Brasil, o secretário de Transporte e Trânsito, Márcio Bastos, diz que não vê mecanismos seguros de incluir a bicicleta no Centro. "As pessoas fariam a viagem com segurança até um certo ponto, mas, depois, não teriam esta segurança para chegar ao final de seu destino."
 
O projeto aprovado pela Câmara Municipal ainda determina que, na construção de todo e qualquer empreendimento público ou privado que gere tráfego de pessoas e veículos, será obrigatória a destinação de local reservado para o estacionamento de bicicletas.
O plano também proíbe a cobrança de tarifa para o uso de bicicletários. "Essa questão não é algo de abnegados, românticos ou de meia dúzia de pessoas que acham que a bicicleta é um meio de transporte bom. Isso é política de governo. O Governo federal, por meio do Ministério das Cidades, editou normas legais, algumas em caráter compulsório, pelas quais os municípios que não passarem a adotar o modal bicicleta deixam inclusive de receber recursos", defende o vereador.
 
 
Propostas
 
Por enquanto, existe projeto de ciclovia para a Zona Norte e de ciclofaixa para a Cidade Alta. A diferença é que a primeira é um espaço especialmente criado para a circulação de bicicletas, em sentido único ou duplo. Já as ciclofaixas são espaços que podem ser delimitados até mesmo no passeio ou na via, constituindo uma alternativa às ciclovias.
 
O projeto da Zona Norte encontra-se em análise pela Caixa Econômica Federal e pelo Ministério das Cidades. Ele refere-se à implantação de ciclovia e ações de urbanismo, como canteiro central, pontos de ônibus e meio-fio, em cerca de 8,5 quilômetros da Avenida JK, entre Nova Era e Santa Cruz, havendo ainda um ramal de ligação até o Francisco Bernardino. A estimativa é de que custe R$ 4,7 milhões, sendo R$ 700 mil de contrapartida do município.
 
Já a proposta da Cidade Alta é a de implantação de uma ciclofaixa, para incentivar o ciclismo como esporte e lazer, na Avenida Pedro Henrique Krambeck, entre a Rua Roberto Stiegert e a entrada dos bairros Bosque do Imperador e Spinaville. O espaço funcionaria nas faixas internas da via, contornando o canteiro central, com cerca de três quilômetros de extensão. A Settra informou que está trabalhando no projeto de implantação da ciclofaixa, que deverá ser feita com recursos próprios.
 
No plano de governo apresentado durante a campanha do prefeito eleito Bruno Siqueira (PMDB), há a proposta de "rever o programa 'Andar pela cidade', que prevê a normatização das calçadas e vias de pedestres, incorporando soluções de acessibilidade e implantação de ciclovias em vias estratégicas".
 

Conviver de forma harmônica

 
"Uma boa cidade não é aquela em que até os pobres andam de carro, mas aquela em que até os ricos usam transporte público." A frase atribuída ao ex-prefeito de Bogotá, na Colômbia, Enrique Peñalosa, vem sendo empunhada como uma bandeira pelos que defendem a redução da quantidade de carros nas ruas. Peñalosa promoveu uma verdadeira revolução no país vizinho, após implantar mais de 300 quilômetros de ciclovias na capital e adotar um sistema de ônibus rápidos, como o de Curitiba (PR).
 
"A rua é de todo mundo. Eu preciso usar a bicicleta para ir ao trabalho. Às vezes, preciso ir de carro. Todo mundo tem que se deslocar. O melhor para todos é aprender a conviver de forma harmônica", propõe o protético Guilherme Mendes. "Infelizmente, não temos um espaço só pra gente. Então, temos que andar juntos; todos somos meios de transporte. O que acaba regendo todos os veículos são os seres humanos", completa a fotógrafa Rizza, 25, que tem na bicicleta o principal meio de deslocamento.
 
Para o vereador Flávio Cheker, não adianta apenas criar ciclovias; é preciso que elas estejam integradas com o sistema público de transporte, criando, de fato, meios para tornar a bicicleta um meio efetivo de deslocamento. "Na ciclovia da Zona Norte, por exemplo, o ciclista vai sair de Benfica e chegar ao Distrito Industrial. O que ele faz com a bicicleta depois?"
 
 
Menos carros
 
A democratização da malha viária e o consequente aumento do espaço dado às bicicletas estão diretamente ligados à retirada de carros parados nas ruas, constata o engenheiro especialista em mobilidade urbana José Ricardo Daibert. "A via pública é um bem raro e caro demais para deixarmos veículos parados nela. Se começarmos a criar políticas de estacionamento de carros fora da via - seja por meio de estacionamentos públicos, privados, subterrâneos ou edifícios-garagem - aí sim vão começar a surgir espaços para ciclovias ou para aumentar as calçadas, por exemplo."
 
O especialista critica a desatualização de uma pesquisa de origem e destino ampla em Juiz de Fora. "Qualquer cidade brasileira tem possibilidade de potencializar o uso e o deslocamento por ciclovia, mas isso não deve ser feito de forma pontual, sob risco de não fazermos um planejamento correto e acabarmos perdendo a eficiência de um meio de transporte que pode ser muito adequado."
 
Daibert reconhece que falta no Brasil uma cultura para a bicicleta e defende que, em Juiz de Fora, a topografia desfavorável não é motivo suficiente para desestimular o uso do modal. As bicicletas elétricas e os espaços destinados às bikes dentro dos ônibus, por exemplo, são apontados por ele como alternativas.

Nenhum comentário:

Postar um comentário